domingo, 14 de julho de 2013

O incógnito Grande Gatsby


Então use o chapéu de ouro, se isso irá impressioná-la;
E se conseguir saltar bem alto, salte para ela também,
Até que ela grite: "Meu amor com chapéu de ouro, meu
amor que salta bem alto,
Preciso ter você!"

Thomas Parke D'Invilliers

Meu primeiro contato com a literatura de Francis Scott Fitzgerald (1896-1940) foi através do conto O diamante do tamanho do Ritz. Nesta história, um jovem de dezesseis anos chamado John T. Unger vai estudar numa escola particular em Boston, onde conhece Percy Washington. Esse colega, um tanto quanto taciturno, certo dia convida Unger para visitar sua casa "no Oeste", vangloriando-se que seu pai seria, de longe, o homem mais rico do mundo. Ao chegar na propriedade de Percy, Unger não só comprova que toda a história era verdadeira como descobre que lá a família do amigo guarda o maior diamante do mundo, uma única pedra do tamanho de uma montanha. 

Capa da 1ª edição,
publicada em 1925
Relembro este conto por alguns motivos. Nele, pude notar como a elegância do estilo de Fitzgerald parecia refletir inteiramente o espírito da Era do Jazz, período em que o autor publicou suas principais obras. O ambiente luxuoso da casa de Percy Washington rende descrições fantásticas e minuciosas. Além disso, nota-se um justaposição de personagens oriundos de classes sociais distintas, ponto essencial para começar a discutir O Grande Gatsby.

O mais aclamado romance de Fitzgerald é narrado por Nick Carraway, um vendedor de títulos imobiliários oriundo do Oeste americano que se muda para Nova York e passa a viver numa casa simples em West Egg, bairro ficcional que é situado pelo autor em Long Island. Na casa ao lado, uma mansão suntuosa que sublima qualquer construção nos arredores, vive Jay Gatsby, um ricaço de quem pouco se sabe e muito se especula. Nick conhece seu vizinho ilustre quando é convidado para uma das grandes festas que Gatsby costuma organizar no amplo jardim de casa, e então passamos a entender, lenta e acidentalmente, as motivações do personagem.

Do outro lado de Long Island, em East Egg, mora Daisy Buchanan, prima de Nick Carraway. Logo no começo da história, descobrimos que seu marido, Tom Buchanan, descrito como "um corpo dotado de poder assustador - um corpo cruel" mantém um relacionamento extraconjugal com Myrtle Wilson, que por sua vez é casada com um mecânico chamado George B. Wilson.

Daí chegamos ao motivo pelo qual Nick foi convidado para um dos banquetes promovidos por Gatsby. Sua intenção era se aproximar de Carraway para conseguir marcar um encontro com Daisy, sua paixão da juventude. Gatsby, na época um militar sem posses, vivera um romance com a rica e inatingível Daisy pouco antes de ser chamado para lutar na 1ª Guerra Mundial, fato que separou os dois. Sete anos mais tarde, agora dono de uma riqueza que parece inesgotável, ele quer reeditar o passado, desta vez sem as restrições que a pobreza o impusera anteriormente. 

Robert Redford como Gatsby no
filme de 1974
Essa ideia de reedição do passado é um dos pontos mais interessantes do romance de Fitzgerald. Gatsby é um homem absolutamente obcecado pelo amor da juventude, e sabe-se lá como, ganhou muito dinheiro apenas para encurtar a grande distância que o separava de Daisy. Mesmo sem a convocação para a guerra, os dois sabiam que jamais poderiam se casar. Afinal, como diz Daisy no filme O Grande Gatsby (The Great Gatsby, 1974), "meninas ricas não se casam com garotos pobres". Essa obsessão de Gatsby pela amada, que implica diretamente na obsessão por dinheiro, acaba se confundindo com um desejo de possessão. 


Mas ele sabia que só estava na casa de Daisy por um gigantesco acidente. Por mais glorioso que pudesse ser seu futuro como Jay Gatsby, naquele momento ele era um jovem miserável e sem passado, e a qualquer hora o manto invisível de seu uniforme poderia escapar de seus ombros. Então ele aproveitou o máximo possível. Tomou tudo o que pôde, de modo voraz e inescrupuloso - e acabou tomando a própria Daisy numa noite calma de outubro, só porque não tinha sequer o direito de tocar sua mão.

Repare como o passado do personagem é citado como algo sem valor, e o futuro "como Jay Gatsby"- sim, esse não é seu nome verdadeiro - pode reservar algo glorioso. Aqui me chama atenção como Fitzgerald trata a ambição por mais status social e a disparidade entre as classes como algo que pode causar frustração, sofrimento, e mesmo desvirtuar o caráter. Em parte, isso acontece com Gatsby, e também no diamante do tamanho do Ritz, citado anteriormente. Quando Unger sai de casa para estudar em Boston, ele escuta do pai: "Não se esqueça de quem você é e de onde veio". No caso de Jay Gatsby, é exatamente o contrário que ele planeja fazer.

O romance de Fitzgerald
não foi unanimidade entre
os críticos da época
Essa (re)construção da persona de Gatsby é algo tão incrível no livro muito por conta das omissões de Fitzgerald. Após escrever o livro, o autor submeteu o material ao seu editor, Maxwell Perkins, que fez algumas observações valiosas para o texto final. Perkins reclamou que a narrativa de seu cliente era muito vaga e a descrição biográfica de Gatsby longa demais. Fitzgerald ouviu as críticas e fez alguns cortes no texto, além de reescrever VI e VII do livro, parte em que há o desfecho da história. O resultado disso foi a fantástica aura de mistério erigida em torno do personagem principal; seu passado é contado de forma fragmentada e nem sempre verdadeira, de maneira que surgem várias versões sobre as origens daquele homem que parava Long Island com suas festas exuberantes. 

Para arrematar essa atmosfera de incertezas, Nick não é um narrador neutro. Ele tem uma manifesta simpatia por Gatsby, e às vezes refuta ou minimiza informações que ameaçam aquele herói imaginado por ele, o homem que veio do Oeste - todos os personagens principais vieram do Oeste - e fez fortuna no Leste americano. "Quando a lenda torna-se fato, publica-se a lenda", diz um personagem de O homem que matou o fascínora (The man who shot Liberty Valance, 1962), clássico dirigido por John Ford. Nick claramente agarra-se à lenda, de tal maneira que, já no final do romance, ele fala para Gatsby: "É uma gente ordinária. Você vale muito mais que todos eles juntos".

Na edição clássica do romance, publicada pela editora Penguin, O Grande Gatsby é acompanhado por uma primorosa introdução escrita por Tony Tanner. Nela, o crítico inglês classifica a obra de Fitzgerald como "a mais perfeitamente construída da literatura americana". Não tenho nenhuma autoridade para corroborar ou não essa afirmação, mas indico o livro sem medo de errar. De longe, um dos melhores que já tive a chance de ler.

No cinema, quatro versões 

DiCaprio como Jay Gatsby
O Grande Gatsby já foi adaptado para o cinema quatro (!) vezes. As duas primeiras foram em 1926 e 1949, mas me concentrarei nas duas últimas, que costumam ser mais lembradas. O longa de 1974 é dirigido por Jack Clayton e tem roteiro adaptado por Francis Ford Coppola. É bem fiel ao livro, aliás em alguns momentos até exagera, com diálogos inteiros praticamente transcritos, mas não consegue construir a mesma atmosfera de mistério presente na literatura. Apesar disso, é um filme que vale a pena ser assistido - se você quiser ler o romance, melhor evitar. 

Este ano saiu uma nova versão, dirigida por Baz Luhrmann e com Leonardo DiCaprio no papel de Gatsby - em 1974, o personagem foi vivido por Robert Redford. Essa ainda não consegui ver, mas tem notas superiores ao primeiro filme tanto no IMDb quanto no Rotten Tomatoes.

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