Qual é a atitude de um jornalista com carreira decadente, forçado a trabalhar num jornal interiorano, quando descobre que um trabalhador local está preso entre as ruínas de uma montanha apelidada pelos índios da região de “A Montanha dos Sete Abutres”? Escrever uma matéria sobre o caso seria explorar a tragédia alheia? Ou é essa a oportunidade de recuperar o prestígio emplacando uma grande cobertura? Com um filme que, à época do lançamento, foi fracasso total de público e crítica, Billy Wilder mostra mais uma vez sua veia crítica aguçada, aliada a uma incrível habilidade de construir filmes clássicos com enredos simples.
Na redação do Sun Bulletin: contar a verdade? |
O jornalista em questão é Charles Tatum (Kirk Douglas), que deixa claro seu caráter já na apresentação ao diretor do Albuquerque Sun Bulletin, pequeno jornal da província de Albuquerque, Novo México. “Eu posso cuidar de grandes notícias e pequenas notícias, e se não houver notícias eu saio e mordo um cachorro”, diz ao listar suas qualidades. Tatum, além de mau-caráter, é um grande frasista, e suas máximas jornalísticas são a maneira que Wilder encontra para extravasar suas críticas à imprensa americana, em especial à ala conhecida como penny press. “Boa notícia não é notícia”, afirma Tatum – ou seria Wilder? – em um dos seus momentos de reflexão.
Após um ano de marasmo no oeste, o jornalista é designado para cobrir um evento na cidade vizinha de Los Barrios, no qual os participantes têm que caçar serpentes. No caminho para a cobertura, mais ensinamentos sobre o jornalismo à moda Charles Tatum. Enfastiado pela falta de grandes notícias, Tatum diz que precisaria só de cinquenta serpentes em Albuquerque e o grande pânico gerado já lhe daria uma matéria de repercussão, que ficaria ainda melhor caso ele guardasse um dos répteis na sua gaveta e prolongasse o temor coletivo.
Embora a viagem para Los Barrios não fosse, em si, uma cobertura extraordinária, ela coloca no caminho de Tatum a grande notícia que ele tanto buscava, aquela que seria capaz de alçar seu nome de volta ao cenário principal da imprensa americana: Leo Minosa (Richard Benedict), um trabalhador local, está preso sob os escombros de um desmoronamento de terra na Montanha dos Sete Abutres, onde se embrenhara para procurar antiguidades indígenas. Com a exploração do drama de Minosa tem início o grande carnaval de Tatum, nome adotado pela Paramount no relançamento da película, alguns anos mais tarde.
Lorraine e Tatum |
A partir daí, o filme se torna uma grande crônica sobre a ganância humana – para além do jornalismo – mas também demonstra algumas inconsistências. Tatum, como esperado, faz de tudo para tornar a notícia um evento nacional: negocia a exclusividade de acesso à montanha com o xerife local em troca de apoio nas próximas eleições; convence a equipe de resgate a utilizar um método mais demorado para retirar Leo Minosa dos escombros. Ao invés da perfuração durar apenas um dia, estende-se por uma semana. Num raro sopro de decência, repele as investidas de Lorraine (Jan Steling), mulher da vítima. Lorraine, entediada pela vida no interior, vê em Tatum uma maneira de sair daquela rotina, e se importa menos com seu marido do que o próprio jornalista. Cada um é mau por um propósito particular.
Com o monopólio da informação sobre o caso, que de fato chamou a atenção da grande imprensa, Charles Tatum consegue manter, por uma semana, uma centena de jornalistas dependentes de suas informações exclusivas. Difícil imaginar uma situação dessas se repetir na vida real: a passividade dos demais jornalistas é fundamental para sustentar o circo montado por ele.
O sucesso efêmero do furo jornalístico de Charles Tatum confirma uma de suas conclusões sobre o trabalho da imprensa. “A morte de centenas ou milhares de pessoas não tem o mesmo interesse que a morte de uma única pessoa. A morte de um só tem interesse humano, enquanto a morte de milhares é apenas um número” – em clara alusão ao caso real do soterramento de Floyd Collins, em 1925, que inspirou o filme.
Em meio a todas as críticas inteligentes presentes na trama, talvez a maior sacada de Billy Wilder tenha emergido tempos depois, ao comentar o fracasso nas bilheterias. Segundo o diretor, a rejeição do público teve muito a ver com a identificação dele mesmo, público, como o grande vilão da história. Afinal, os jornalistas sensacionalistas escrevem porque pessoas os leem – não há penny press sem público. O que atormentava Charles Tatum, mais do que a mediocridade do noticiário do Sun Bulletin, era defrontar-se com a impossibilidade de escrever aquilo que o público queria ler.
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