segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Os Intocáveis, por Brian de Palma

A era da Lei Seca nos Estados Unidos foi explorada à exaustão pelo cinema, pelo teatro e pela televisão, onde, por sinal, Boardwalk Empire ainda suga as últimas gotas de sangue derramadas pela Prohibition. Esse foi o maior desafio de Brian de Palma quando aceitou dirigir Os Intocáveis (The Untouchables, 1987): fazer uma série de TV de sucesso, e ancorada em um tema batido virar um bom filme. Conseguiu, e para isso contou com uma atuação magistral de Robert de Niro como Al Capone, Kevin Costner convincente no papel do jovem agente federal Eliot Ness (não, ele ainda não havia feito Waterwolrd nessa época!) e, de quebra, Sean Connery encarnando o único policial bom de toda Chicago, Jim Malone. 

É claro que, como já era tradicional em todo filme de Brian de Palma, não poderia faltar sangue. Depois de Scarface (1983), temia-se que uma nova adaptação do diretor sobre a violenta Chicago da Lei Seca fosse hemoglobina pura. No entanto, tirando uma cena em que Jim Malone precisa atirar na cabeça de um inimigo já morto para arrancar uma confissão de um dos traficantes da trupe de Al, até que Os Intocáveis não é um filme tão violento assim. 

O fascínio de Brian de Palma por tudo que é sangrento nasceu ainda na infância, quando assistia ao pai, ortopedista, operando seus pacientes. Mas certamente essa não foi a única fonte de inspiração do diretor de Nova Jersey. Desde que começou a trabalhar com cinema, ainda na Universidade de Columbia, de Palma sempre deixou claro que sua maior influência era Alfred Hitchcock. Pelo menos três filmes são assumidamente inspirados na obra do cineasta britânico: Irmãs Diabólicas (Sisters, 1973), onde utilizou a técnica de dupla personalidade consagrada por Hitchcock, Trágica Obsessão (Obsession, 1976) e Dublê de Corpo (Body Double, 1984), ambos imitações explícitas de Um corpo que cai (Vertigo, 1958). Em todos esses filmes, de Palma contou com a ajuda do diretor musical Bernard Hermman, responsável pela clássica trilha sonora de Psicose ( Psycho, 1960). 

Sem dúvidas, um grande trunfo para o sucesso de Os Intocáveis foi a atuação de Robert de Niro, para mim, o melhor Al Capone já visto – em pensar que, por problemas no acerto do cachê, de Niro quase ficou de fora. Nas palavras do roteirista David Mamet, o Al Capone de Robert de Niro é “viciosamente mítico”. Vale aqui lembrar que a relação entre de Niro e Brian de Palma vem de longa data. Começou quando o diretor ganhou uma bolsa da Sarah Lawrence College e escreveu Festa de Casamento (The Wedding Party, 1962). No elenco daquele filme, que só seria lançado em 1969, estavam Jill Clayburg e um jovem do Brooklyn que se auto-apelidara Bobby de Niro. 


Uma das muitas cenas marcantes do filme abriga mais um caso de metalinguagem no cinema, que certamente será lembrada em breve na seção Frames para Sempre. Quando Eliot Ness e seu “intocável” George Stone (Andy Garcia) vão até uma estação ferroviária para prender o tesoureiro de Al Capone, em meio ao tiroteio, um carrinho de bebê desce escadaria abaixo e quase cai na linha do trem, em clara menção à consagrada cena do clássico O Encouraçado Potemkin (1925), do diretor russo Serguei Eisenstein. Outra cena interessante acontece quando os homens de Ness vão apreender um carregamento de bebida de Al Capone que seria introduzido nos EUA através da fronteira com o Canadá. Quando o contrabando chega à ponte que liga os dois países, os policiais seguem para a cena do crime à cavalo, um momento que lembra muito os filmes do gênero Western. 

O confronto entre a personalidade napolitana de Al Capone, exemplarmente retratada na coletiva de imprensa que abre o filme, e a ética quase puritana do agente federal Eliot Ness equilibram bem o roteiro de David Mamet, e não são imutáveis. O que assistimos ao longo do filme é uma progressiva degeneração do caráter extremamente rígido de Eliot, pois ele logo percebe que não é possível jogar sempre de acordo com as regras se você quiser desmontar uma máfia como a de Chicago. 

Pensado para moderar por meio de uma legislação federal a moral americana, o Ato Volstead, que instituiu a Lei Seca, só fez abrir espaço para os traficantes de bebidas, majoritariamente imigrantes irlandeses e italianos. Em uma das últimas cenas do filme, Eliot Ness, após ter empreendido tanto trabalho e perdido amigos para prender Al Capone, recebe a notícia de que a Lei Seca havia acabado. Revolta seria uma reação totalmente compreensível, mas o que se ouve é uma resposta até bem-humorada. “Então eu acho que vou beber um pouco”, diz o agente federal. É este o espírito que o filme tenta passar: apesar do cenário de corrupção e violência, a polícia americana contou com homens íntegros que, concordando ou não com a legislação vigente, lutaram por ela até o fim. 

Ficha Técnica:

Título original: (The Untouchables)
Lançamento: 1987 (EUA)
Direção: Brian De Palma
Atores: Kevin Costner, Robert De Niro, Sean Connery, Charles Martin Smith.
Duração: 119 min
Gênero: Policial




Trailer:


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